É proibido proibir: canudos e sacolas plásticas podem ser banidos do país
O projeto de lei proíbe a fabricação, importação, distribuição e venda de sacolas plásticas e itens descartáveis para alimentos e bebidas em âmbito nacional
No dia 24 de abril, a Comissão do Meio Ambiente (CMA) aprovou o Projeto de Lei 263/2018, que prevê a proibição de fabricação, importação, distribuição e venda de sacolas e utensílios de plásticos usados para alimentos e bebidas, como canudos, por exemplo. Além disso, o PL também pretende vedar o uso de microplásticos na composição de cosméticos.
A ideia legislativa foi proposta por Rodrigo Padula de Oliveira, através do portal e-Cidadania e obteve o apoio de 24 mil pessoas. Ideias legislativas são transformadas em sugestões quando recebem a partir de 20 mil apoios e, assim, seguem para análise pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, e então, podem virar projetos de lei. A sugestão de Rodrigo foi relatada pela ex-senadora Regina Sousa e aprovada pela comissão.
O texto concede uma exceção para sacolas e utensílios descartáveis produzidos a partir de material integralmente biodegradável. “Ressalte-se que o plástico derivado de petróleo pode levar mais de 300 anos para se decompor, ao passo que a decomposição do plástico biodegradável dura entre 30 e 180 dias”, aponta Regina Souza.
A medida visa reduzir o impacto do plástico nos oceanos, que é um problema mundial. É calculado que, anualmente, cerca de oito milhões de toneladas do material chegam aos mares. Caso o cenário não seja revertido, em 2050 os oceanos terão mais plástico do que peixes.
Entretanto, o projeto de lei pode excluir boa parte da população que depende deste material no dia a dia. É o caso de Marina Batista, do blog Rodando pela Vida, que sofre de Atrofia Muscular Espinhal do tipo 2. Marina levantou um ponto importante sobre a discussão dos canudos em seu Twitter: a proibição de utensílios plásticos exclui Pessoas com Deficiência (PcD).
“A realidade da população com deficiência é muito diversa, não dá pra ser tão simplista. Essa é uma lei extremamente discriminatória, excludente, elitista, punitiva, precipitada e vai na contramão do real problema que é o descarte desse material. No Brasil, em nenhuma cidade em que os canudos foram banidos, houve discussão prévia com todos os diversos segmentos da sociedade”, completa Marina.
Marina aponta que não é possível substituir o canudo plástico pelos reutilizáveis, por diversos fatores. O de metal, de bambu e de vidro, por exemplo, podem machucar e não são posicionáveis; o de silicone não é posicionável; o de acrílico não é posicionável e não dá pra usar com líquidos quentes e por fim, o de macarrão e o de papel podem fazer com que a pessoa engasgue.
“Não existe substituição de usabilidade e são um risco físico para a pessoa com deficiência. O problema é que as pessoas com deficiência não são vistas em sua existência plural, em geral, as pessoas associam apenas a falta de movimentos, jamais a fraqueza muscular facial, dificuldade de respirar ou deglutição. Mesmo a pessoa com deficiência, que apenas não tem o movimento total dos braços, precisa do canudo de plástico pois é o único que não machuca seriamente quando um terceiro vai nos auxiliar a beber, é flexível na dose certa possibilitando posicionamentos, não transfere sabor, não tem as propriedades do material modificadas por temperatura ou longos períodos de exposição ao líquido não proporciona queimaduras por transferência de calor, não tem custo alto para o uso constante que é necessário em um único dia e o plástico não nos faz incorrer ao alto risco de infecções”, completa.
Marina ainda lembra que a dificuldade vai muito além do canudo e diz que teria um grande problema caso todos os descartáveis sejam banidos: “As pessoas comem um sanduíche mordendo uma bocada completa, eu não consigo. Minha abertura de arcada dentária não passa de um dedo e esse é um traço comum em pessoas com doenças neuromusculares degenerativas. Se vou comer um lanche num fast-food necessito de talheres plásticos para poder cortar o lanche e comê-lo com garfo”, revela a blogueira.
Para o professor Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da USP, a medida pode ser usada como uma cortina de fumaça: “É necessário agir e, caso a discussão do canudo não traga um embasamento mais profundo, que vise combater outras fontes de poluição, para mim, é cortina de fumaça. Não adianta o município propor o banimento sendo que ele não se preocupa ou age de forma equivalente em relação ao resíduo no município todo. Se tem canudo indo para o mar naquele município, é porque a gestão de lixo neste município não está funcionando”.
O professor continua: “Boa parte do lixo que chega no mar, chega porque temos ocupações irregulares, onde não há serviço de coleta e destinação adequada de resíduos. Isso é um problema social, de pobreza, de distribuição de renda e de uso e ocupação do solo. Produzir uma lei que leva ao banimento não ataca a questão central ou a mais importante”.
Turra ainda acrescenta que o banimento é usado como um atalho: “quando alguém recusa um canudo, significa que essa pessoa pensou dentro de um contexto na qual foi educada e está exercendo o consumo consciente. Já o banimento, previne qualquer tipo de raciocínio. Ou seja, não precisa pensar e ser educado, é só banir que o problema é resolvido”.
Marina continua: “Deixa o canudo e educa as pessoas para não usarem desnecessariamente, o melhor para realidade Brasil é deixar o canudo livre para quem quiser e pedir, sem questionamentos e principalmente constrangimentos. Vamos precisar ter carteirinha de liberação de canudos para evitar questionamentos no atendimento? A vida com deficiência precisa ser mais respeitada!”