Casa de 10 m² no Jardim Colombo é o 70º ambiente da CASACOR São Paulo
A arquiteta e ativista Ester Carro, moradora do bairro e presidente do Fazendinhando, criou a Casa do Wallece, a moradia de Wallece Gonzaga de Souza, 33.
A CASACOR São Paulo realizou uma ação inédita nesta edição e trouxe um ambiente de habitação real, construído no Jardim Colombo, na zona sul de São Paulo.
A responsável pelo projeto de arquitetura social é a arquiteta e ativista Ester Carro, moradora do bairro e presidente do Fazendinhando, instituto de transformação territorial, cultural e socioambiental que atua na região.
Em pouco mais de 10 m², em uma viela do Jardim Colombo, foi concebida a Casa do Wallece, com a proposta de reformar totalmente a moradia de Wallece Gonzaga de Souza, 33, que trabalha como entregador e guardava um sonho infelizmente inacessível para tantos: dispor de um chuveiro e de alguma privacidade.
Após a reformulação, Wallece conquistou seu banheiro completo e uma residência montada sob medida. O local, anteriormente era um cômodo de apenas 7,30 m², com um banheiro improvisado. Sem estrutura para encanamento, não havia chuveiro, o que fez com Wallece precisasse planejar um horário para tomar banho na casa da mãe, num local próximo dali.
“É ruim porque ela dorme cedo para sair de manhã para trabalhar. Evito chegar muito tarde para não atrapalhar”, conta. Até pouco tempo atrás, Wallece alimentava o sonho do banheiro próprio, projeto que começou a tomar forma no início do ano. Ele só não imaginava que a obra acabaria por se tornar uma extensão da mostra.
A Casa do Wallece é uma evolução da parceria com Ester Carro, após a repercussão positiva do Espaço Motirõ, em 2023, dedicado ao morar periférico. Nesta sua segunda participação, Ester deu um passo além na abordagem do tema: lidou não com um ambiente controlado, mas com uma história e um cenário reais da cidade.
Ela comanda o Instituto Fazendinhando, que além de recuperar áreas abandonadas, tem oferecido cursos de formação na construção civil para mulheres da comunidade e reformado moradias do bairro.
Para montar a Casa do Wallece, Ester ampliou a metragem, totalizando 10,50 m², mas antes da reforma, a casa precisava conquistar uma estrutura de residência.
“Planejamos uma cama elevada, numa espécie de mezanino. Também aumentamos a quantidade de janelas”, descreve. Com pouco espaço na lateral do terreno, ela olhou para o alto e sugeriu a criação de um pé-direito duplo substituindo as antigas telhas de amianto pelas da linha eternit. A fachada cresceu e recebeu uma horta vertical montada com paletes, dando um toque de paisagismo à nova casa.
Nos interiores, a profissional aproveitou cada canto para conquistar uma estrutura completa de residência. Abaixo da área de dormir surgiram armários sob medida e na sequência uma pequena bancada de cozinha, geladeira e um tanque. Na ponta da casa, ergue-se o desejado banheiro. “Eu só queria mesmo um lugar para tomar banho e ter alguma privacidade. Agora, é como se eu tivesse ganhado na loteria”, fala Wallece. O espaço ganhou também mais personalidade com duas obras do artista local Júlio Jesus em grafite.
Com tantas perspectivas renovadas ele não esconde o entusiasmo: “Quero inspirar mais gente a ajudar o Instituto Fazendinhando. Quem está no alto escalão pode doar e mudar vidas. Essa iniciativa vai fazer história”, completa.
“A história do Wallece não é exceção. Essa é a situação de vários entregadores e motoboys paulistanos, jovens que não tiveram acesso à educação e que estão batalhando no dia a dia. Devemos dar voz a quem está invisibilizado”, afirma e complementa: “muitos moram em lugares assim sem qualquer auxílio técnico. A arquitetura que aprendemos na faculdade acaba ficando muito longe dessa realidade. E um layout bem planejado pode impactar a saúde física e mental. Hoje, no Fazendinhando, temos a missão de lutar por dignidade para essa população”.